sábado, 18 de abril de 2015

Sobre a dor de um divórcio



Esses dias venho vivendo e revivendo a crise da separação e do divorcio. Ate parece que tinha me separado de novo e naquele dia. Mas não, era simplesmente a crise de assinar a %¨$# de um papel dizendo à sociedade que não tinha mais jeito. A sensação é a de um fracasso. É uma dor mais anestesiada, mas semelhante a da separação. Mas ao mesmo tempo, diferente. Logo após a separação, senti o fracasso, mas sentia uma dor maior, que era a dor da perda. Agora a dor da perda já se acalmou. Eu já não penso no que eu perdi. Sempre tento pensar no que ganhei após a separação. Tava num processo doloroso casada. E não notava tanto, porque tava do lado de dentro. Hoje, ganhando o mundo, vejo o quanto era desvalorizada por alguém que estava num processo de sofrimento e imaturidade que eu não conseguiria entender. Ele me desvalorizava na intenção de se valorizar, porque não gosta(va?) de si mesmo...
E ta, aí você pode me perguntar: vem cá, se tu ta se sentindo tão bem separada, adorando a sensação de se sentir desejada e paquerada (já deixei claro, ne, nos outros textos?), dançando, brincando, vivendo cada minuto como se fosse o último, como você vem me falar em dor? Difícil, acreditar, ne? Então, eu mesma, se não estivesse sentindo, diria que a pessoa tava querendo fazer drama onde não existe. Mas não, não é isso. O drama, apesar de não ser grande, quando se pensa racionalmente, existe. E vou explicar:
O divórcio se trata de afirmar perante a lei e a todos o seu descasamento. Mas e você já não fez isso? Não exatamente. Quando me separei, passei pelo meu processo intimo e até fiz rituais de separação. Joguei a aliança no lugar mais lindo que já visitei. Chorei escondida a dor em cada lugar que pensava que aquela viagem era pra ter acontecido com ele. Chorei a dor de uma perda de uma pessoa especial. De um sonho. Mas de um sonho meu. Só meu. Hoje, quando lembro, a sensação que tenho é a da música da Marisa Monte:
Se ela me deixou, a dor
É minha só, não é de mais ninguém.
Aos outros eu devolvo a dó
Eu tenho a minha dor.
Se ela preferiu ficar sozinha,
Ou já tem um outro bem
Se ela me deixou a dor é minha,
A dor é de quem tem.”


Pronto. A sensação era essa. A dor que era minha. Não queria dó de ninguém. Não era digna de dó. Sabia bem que o sofrimento ia passar. Até a dor de perder meu pai tinha amenizado com o tempo. Porque a dor de perder um marido não ia passar? Iria. Me enchi de coragem, passei a mão nos olhos e enfrentei a dor. Chorava, mas enfrentava. Vim sozinha pra cidade e pra casa onde tudo tinha acontecido. Mais decidida impossível, coloquei o que restava dele pra fora da casa e fui viver só. Entre farras e descobertas de uma vida solteira. Entre a dor de encontrá-lo ou encontrar a moça com quem ele estava/tinha passado um tempo/ sei lá. E nessas dores, fui esquecendo e vendo o quanto a minha vida ainda era especial e o quanto eu ainda tinha pra viver. E o quanto eu vinha descobrindo com a separação e a vida de solteira. E aí veio, por uma lado uma pressão social e por outro, uma pressão interna: a do divórcio. Passei pelo processo de negação: pera, eu preciso de um papel pra me dizer solteira? Não, claro que não. (só que sim, principalmente porque temos um bem juntos. E o que eu fosse fazer com esse bem precisaria dele. De uma vida que já não me dizia respeito e portanto poderia mudar e se tornar o que quisesse, inclusive, alguém disposto a me tomar bens materiais – vai saber?)
E então, com a história de vender ou não esse bem (o apartamento), resolvi-me a não vender, por diversos motivos e tratar de ressignificar tudo. Afinal de contas, eu fiz até a disciplina de psicologia ambiental, não foi? Não estudei e sei o quanto se pode ressignificar um ambiente e o quanto esse ambiente pode influenciar os sentimentos humanos? Pois bem, iria ressignificar tudo. E passei à história do divórcio, de resolver tudo perante a lei. E bom, se por um lado sabia e sei de todo um processo que se chama divórcio emocional (coisa de psi) e que isso doía, não sabia como era essa dor. Experimentei. A dor é a de ter fracassado. E agora a dor já não é mais só minha. Ela é minha, mas também é social. Há atores sociais envolvidos nisso. Há o ex-conjuge, agora mais ex que nunca. Há o advogado. Há uma procuração. Há um juiz. Há um papel. Há uma satisfação à sociedade. Há o contrário do orgulho de um dia ter entrado na Igreja e ter dito a Deus, à minha família e à sociedade, que a partir dali eu iria construir minha própria família. A partir dali eu seria mulher de um marido e futura mãe dos nossos filhos. Era como se eu tivesse passado mais ainda ao patamar de adulta (a impressão que tenho é que pulei um degrau quando me formei, outro quando comecei a trabalhar e assim sucessivamente). E agora a dor é o contrário desse orgulho: é afirmar pra sociedade que eu fracassei em construir uma família (Ah, mas não foi você, ele lhe traiu, ele não foi maduro, ele, ele, ele, ele...). Ta, se vocês conseguem fugir da própria responsabilidade assim, massa, mas talvez por ser psicóloga, pra mim não é tão fácil assim. Sei que em parte a culpa responsabilidade também é minha. Eu ate tentei, mas não soube lidar com uma traição tão pesada. Eu até tentei, mas não consegui fazer com ele viesse pra mim de novo como antes. Eu até tentei, mas no fim, não consegui nem me salvar nem salvar o que eu tinha prometido a mim mesma e a todos: uma família. A minha família.


Que se lasque a sociedade? Fácil dizer. Difícil é assinar e escrever: sim, sou divorciada. Não consegui viver como queria e como prometi. E estou bem com isso. Vrááááá. (tapas girando na sociedade machista, hipócrita e religiosa). E no fim, o que tenho a dizer? É difícil? É. Existem processos mais difíceis? Existem. Eu, ao menos, não tenho litígio e nem filhos. Mas a dor ta aqui. Doendo. Gritou dentro de mim na porta do advogado. [Piadas a parte: Gritou mais alto quando ele disse o preço e eu pensei (caramba, é pra desistir, é?)] Gritou mais alto quando falei no telefone com o ex. Gritou mais baixo quando falei com o segundo advogado. E foi diminuindo ao pensar no processo e juntar os documentos. E diminuiu mais quando falei pela segunda vez com o ex. E aí eu vi que era só mais uma etapa da minha dor. A dor escancarada a sociedade. E dói de novo, por que? Porque a gente mexe. E abre de novo. Abre de uma forma diferente. Mas abre. E com o tempo, ela volta a acalmar. Vá, dor, vá se acalmando. Um dia, você vira sorriso.
“Vagueia
Devaneia
Já apanhou à beça
Mas para quem sabe olhar
A flor também é
Ferida aberta
E não se vê chorar”.

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